Adolescentes buscam mais ajuda para vício em bets: 'Situação absurda'
Adolescentes e jovens adultos viciados em apostas online são os perfis que mais procuram ajuda no grupo Jogadores Anônimos, que existe há mais de 30 anos.
"É uma situação absurda. Da pandemia para cá, começou a aparecer gente muito nova. Nós nos assustamos, porque não sabíamos o que estava acontecendo. Aí vimos que era por causa das apostas online", diz Roberto*, secretário de serviços do Jogadores Anônimos e participante do grupo desde a primeira reunião, em 1993.
Segundo a revista científica The Lancet, 18% dos adolescentes no mundo tiveram contato com apostas online em 2023. Entre 16% e 26% podem desenvolver algum tipo de problema por causa disso, aponta a publicação.
A reportagem do UOL esteve em reuniões para jogadores compulsivos e familiares, online e presenciais, e participou de grupos de conversa no WhatsApp.
Os relatos dos mais jovens de fato diferem dos mais velhos: todos chegam às apostas por meio da internet.
"Muitos têm o mesmo depoimento: 'Experimentei, ganhei, me dei conta de que era fácil e quis viver disso'. De repente, está perdendo dinheiro, começa a pedir emprestado, dever, cometer atos ilegais. A doença é progressiva", explica Roberto.
'Minha mãe não entende'
Entre os desabafos está a falta de apoio das pessoas próximas. "Minha mãe não entende, acha que é só parar de jogar", disse um usuário em um grupo no aplicativo de conversa.
"Não é um problema que se resolver com força de vontade, como costuma dizer quem tem pouco conhecimento sobre vícios", diz a psiquiatra Gabrielle Foppa, pesquisadora sobre o comportamento de viciados em apostas e médica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O apostador compulsivo, explica o psiquiatra Hermano Tavares, da USP (Universidade de São Paulo), acaba sendo controlado por fatores externos. "Ele só vai parar quando o dinheiro acabar, quando alguém chamar atenção, se a casa de aposta fechar. O controle interno não existe mais."
"Esse tipo de comportamento tem um impacto no cérebro do indivíduo. Então os valores que ele apostava já não são suficientes no sentido de que não promovem mais a mesma emoção. O risco escala, e o vício piora."
"O sistema nervoso central também passa por adaptações, e se a pessoa se vê privada de jogar, vai ter abstinência. Essa abstinência tem uma manifestação psíquica relevante, o paciente fica inquieto, se sente subestimado", explica.
Por isso, é recomendado procurar grupos terapêuticos para falar sobre o próprio problema e ouvir relatos de outras pessoas.
"Mas a jogador tem que querer ajuda. Ninguém pode fazer isso por ele. Quando procurei o JA estava desesperado, a ponto de me matar. E encontrei um caminho."
Governo precisa de projeto, diz entidade internacional
Um dos periódicos científicos mais prestigiados do mundo, The Lancet, publicou em outubro um artigo com recomendações sobre a epidemia de vício em apostas online.
A publicação reforça a relação das bets com aumentos de problemas de saúde mental e suicídios e crimes violentos e faz um apelo aos governos.
"Tratem o jogo como um problema de saúde pública - tal como acontece com outros produtos viciantes e pouco saudáveis, como o álcool e o tabaco — e forneça recomendações para prevenir e mitigar a vasta gama de danos associados ao jogo", afirmam os 22 cientistas que assinam o texto de 45 páginas.
"A comissão também solicita a prestação de apoio e tratamento acessíveis e universais para os danos causados
Onde procurar ajuda
Embora o governo brasileiro não tenha nenhum projeto de conscientização sobre os problemas mentais causados pelo jogo, há vários projetos de ajuda gratuitos encampados pela sociedade civil.
Veja abaixo:
Jogadores Anônimos: com reuniões presenciais e online, o grupo de ajuda mútua reúne jogadores dividindo suas histórias de vício, recaídas e superação. Saiba mais clicando aqui.
Instituto de Apoio ao Apostador: também funciona com grupos de apoio terapêuticos, tanto para jogadores quanto para familiares. Oferece ainda aulas de educação financeira. Saiba mais clicando aqui.
Jog Anon: grupo voltado para familiares de jogadores patológicos, para falarem sobre suas próprias questões emocionais e se ajudarem na convivência com o viciado. Saiba mais clicando aqui.
UBS (Unidades Básicas de Saúde) e CAPS (Centros de Atenção Psicossocial): verifique se na sua região esses lugares dispõem de assistência psiquiátrica e psicológica, essenciais para tratamentos de compulsão. Procure se informar também nos hospitais universitários, se houver, que muitas vezes dispõem de ambulatórios voltados a esse tipo de tratamento.
CVV
Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.
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